A cada line-up de festival, um movimento se fortalece: o público quer mais diversidade
O cenário dos festivais de música no Brasil tem passado por mudanças significativas nas últimas décadas. O público tem demandado mais diversidade na programação, buscando uma representatividade maior de gênero e estilos musicais. No entanto, apesar disso, a presença feminina nos line-ups ainda é muito baixa, como aponta a pesquisa realizada pela especialista Thabata Arruda.
Em entrevista, Thabata destaca que muitos festivais estão sendo organizados por pessoas de fora do mercado musical, o que pode explicar a falta de atenção para questões de diversidade. Ela ressalta que a presença de mulheres artistas é cada vez mais evidente nas redes sociais, com os comentários das próprias mulheres sobre os line-ups. No entanto, isso não se reflete nos palcos dos festivais.
Situação preocupante no cenário do rock
Na pesquisa realizada por Thabata, ela analisou mais de 70 line-ups de festivais entre 2016 e 2019. Nesse levantamento, ela dividiu as atrações em três categorias: bandas mistas, com ao menos uma mulher na formação permanente; atrações 100% femininas; e a falta de representatividade no rock.
Segundo a pesquisadora, festivais que tiveram origem no rock, mesmo que hoje sejam mais abertos a outros estilos, ainda apresentam line-ups com poucas mulheres. Ela destaca o caso do Porão do Rock, que chegou a ter 0% de mulheres solistas em alguns anos. Thabata afirma que bandas femininas ainda existem, mas são ignoradas pela presença de artistas como Pitty.
Confira abaixo alguns festivais que apresentaram baixa participação feminina solista, de acordo com a pesquisa de 2020:
- Porão do Rock (DF): 0%
- João Rock (SP): 4%
- Goiana Noise (GO): 4,1%
- Vaca Amarela (GO): 5,4%
- Forró da Lua Cheia (SP): 7,5%
- Lollapalooza Brasil (SP): 10,6%
Apesar dos números ainda baixos, a pesquisa de Thabata destaca um caso positivo, o festival Abril pro Rock, que aumentou sua participação feminina de 0% para 20,8% após dedicar um dia inteiro de programação exclusiva para as mulheres. Outros festivais também tiveram um aumento, como o Goiania Noise, de 0% para 4,1%, e Vaca Amarela, de 6% para 5,4%.
Lei de cotas na Argentina
A pesquisa de Thabata foi inspirada em um estudo realizado na Argentina, que resultou em uma lei chamada Ley de Cupo en Eventos Musicales. Essa lei exige a presença de pelo menos 30% de mulheres em eventos musicais com pelo menos três atrações. Os resultados dessa lei foram apresentados pelo Instituto Nacional de la Música e mostraram um avanço notável no rock.
No período de três anos de aplicação da lei, houve um aumento na participação feminina em festivais de rock e pop, saindo de uma média de 18,57% para 39,19%. No estilo de tango, o aumento foi ainda maior, passando de 26,66% para 46,34%. De forma geral, a média de participação feminina em todos os estilos subiu de 15,21% para 32,19%.
A importância das curadorias
Thabata e outros especialistas concordam que as curadorias dos festivais têm um papel fundamental na diversidade dos line-ups. É necessário que os curadores se atentem para a inclusão de mulheres artistas em suas escolhas, abrindo espaço para novos talentos e dando visibilidade a quem já está na estrada. Além disso, artistas já consagradas podem questionar as curadorias e negar convites caso sejam a única mulher na programação, incentivando uma reflexão por parte dos organizadores.
Um exemplo de festival que buscou suprir a falta de representação feminina no rock é o Rock in the Mountain, que desenvolveu um line-up exclusivamente composto por mulheres. Além disso, o festival criou a Casa do Rock, um espaço dedicado a bandas pequenas e desconhecidas formadas apenas por mulheres. Essas iniciativas visam impulsionar e dar voz a mulheres que ainda não encontram espaço nos grandes festivais.
Conclusão
A presença feminina nos line-ups de festivais de música no Brasil ainda é baixa e preocupante, especialmente no cenário do rock. No entanto, iniciativas como a Ley de Cupo en Eventos Musicales na Argentina mostram que é possível promover mudanças significativas com leis e políticas de inclusão. Além disso, as curadorias dos festivais têm um papel importante na busca por mais diversidade e representatividade nos palcos.
É necessário que os festivais sejam espaços de inclusão e oportunidade para todas as artistas, independentemente de gênero ou estilo musical. Somente assim poderemos garantir uma indústria da música mais justa e igualitária, onde todas tenham chances reais de mostrar seu talento e conquistar seu espaço.
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